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Quem quer boleia até Belém?


          A caminhada para as eleições presidenciais, agendadas para janeiro do próximo ano, já recebeu o seu tiro de partida. Foi um tiro inesperado, inusitado e cheio de mediatismo, mas agora que foi dado é difícil fazer tudo voltar atrás. E, aproveitando que tudo arrancou e que já se dá a volta de aquecimento (fazendo lembrar as belas tardes das corridas de Formula 1), vamos analisar os concorrentes e a estrada que nos leva para o destino: Belém 2021!
Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, vai ser o vencedor destas eleições - podia muito bem começar ou acabar este texto desta forma, não faltam sondagens e comentários a adivinhar este desfecho para janeiro (clique para ver artigo) e sem necessidade de recorrerem a bolas de cristal ou cartas de tarot. Mas uma corrida como esta não se faz só com um corredor, seria injusto para os restantes candidatos e aspirantes, assim como terrivelmente limitador e redutor para o país. Os unanimismos são perigosos! Existem várias ideologias políticas em Portugal, mal estaríamos se estivessem todas em concordância com o perfil do Professor Marcelo. Todas as eleições merecem um diálogo aberto e um debate justo e completo.
Em primeiro lugar e em abono da verdade, não foi com Marcelo que esta corrida começou. André Ventura, o deputado do Chega, em fevereiro deste ano já avançava que seria candidato (clique para ver artigo), e foi o primeiro nome sonante a entrar nas eleições para Belém (na verdade, ainda nem se falava na corrida, já ele atirava pedras aos outros carros quando ainda ninguém lá estava dentro, tinha bastante pressa o homem…). E agora que Ventura perdeu voz e exposição na imprensa portuguesa, com a sua saída do Correio da Manhã, este necessita muitíssimo de participar nestas eleições, quer para dar continuidade à visibilidade que o seu partido está atualmente a receber, quer para consolidar a sua posição política no panorama nacional. A sua popularidade vai subindo, muito pelas bases do populismo de direita, muitas vezes demagógico, mas o que é certo é que a sua presença se faz notar. Em pouco tempo, na política nacional, André Ventura e o Chega cresceram, são a novidade destas eleições e podem bem jogar com fator surpresa.
Mas a surpresa das eleições surgiu em plena Autoeuropa. Não é que a recandidatura do Professor Marcelo fosse uma surpresa, não o era de todo. Ela estava implícita, só faltava o anúncio oficial. Porém, sem que nada o fizesse prever, António Costa (qual porta-voz do Presidente da República) anunciava a recandidatura de Marcelo. Estes dois executaram, com mestria e muita perícia, um número circense que bem podia entrar num espetáculo de Victor Hugo Cardinali, e anunciaram ali mesmo duas posições com impacto na política nacional (clique para ver artigo) ao mesmo tempo que mascaravam uma semana negra para o governo português. E tudo isto, com uns quantos Volkswagens como plano de fundo, fizeram um brilharete para a delícia dos lusitanos, criando um novo burburinho em Portugal enquanto que deixavam de lado um Novo Banco e um Centeno que estavam metidos numa caldeirada carregadinha de sal. Uma das posições que ficava explícita naquele momento era a de que Costa vaticinava a vitória de Marcelo (e como vaticinava uma vitória, estava já implícita a sua recandidatura). A outra posição era a de que Costa queria a vitória de Marcelo, e como o primeiro-ministro estava feliz com tudo isto! A primeira posição não é muito estranha, mas a segunda implica muitas coisas dentro do Partido Socialista e não só! Mas já lá vamos mais à frente.
O mandato do atual Presidente da República (PR) pode dizer-se que foi globalmente positivo. As sondagens assim o indicam. Era normal uma recandidatura, e não será estranho se este ganhar novamente. Marcelo é popular, ativo, gosta de se envolver com o povo, mas é um Presidente com medo relativo de ser radical quando precisa de o ser. Marcelo é moderado e não é propenso ao risco. O caso de Tancos foi exemplo disso. O Presidente necessitava de dar uma resposta forte a este problema de segurança nacional, mas não o fez. Temeu uma catástrofe dentro do governo que fosse irresolúvel e assim ficou patente a sua forma de atuar perante problemas sérios. No caso do Novo Banco meteu novamente os pés pelas mãos e, enquanto estava numa espécie de lua de mel com Costa, arregaçou as mangas e não hesitou em apontar o dedo a Centeno. Como é óbvio correu mal e apressou-se a ligar ao ministro das finanças para evitar um descalabro no governo. Marcelo tem uma excelente relação com o primeiro-ministro, está bem patente, mas também tem uma boa relação com todos os partidos com assento parlamentar. Tem uma relação próxima com Rui Rio e António Costa, e isso torna-se bom para a estabilidade do país. Este triângulo foi, em parte, uma estratégia vencedora na “era Covid-19”, o que ajudou ao sucesso português nesta primeira fase da batalha contra o “monstro”. Estes anos correram bem a Marcelo, em última análise.
Depois do cenário da Autoeuropa, importa falar das implicações que traz tudo isto ao Partido Socialista. António Costa goza de um período onde a sua popularidade está em alta, muito pela sua atuação importante e vencedora em período de crise sanitária. É inegável o sucesso português no combate à pandemia e Costa aumentou substancialmente a sua popularidade. Como tal percebeu que podia ser arriscado para a sua imagem e para a imagem do partido enviar um candidato quase condenado ao fracasso para as eleições presidenciais, e arriscou em dar o voto de confiança de primeiro-ministro a Marcelo. Dentro do seu partido, esta intervenção teve várias reações. Desde logo porque há pessoas dentro do partido que não estavam totalmente satisfeitas com o trabalho do atual PR, e consideram que possuem nas suas fileiras figuras com mais capacidades e com valências para exercer a função com qualidade. E quem se insurgiu depois das declarações de Costa foi Ana Gomes. A ex-eurodeputada estava, já fazia algum tempo, tentada a ser candidata a Belém, mas nunca chegou a formalizar a sua intenção explícita em concorrer ao cargo. Ana Gomes estava indecisa, mas António Costa colocou uma pedra sobre o assunto. O primeiro-ministro dificultou e muito o caminho para uma candidatura dentro do PS, diria que impossibilitou mesmo a vitória. Depois deste acontecimento de Palmela, quem teria coragem de se apresentar como candidato do Partido Socialista? Pois bem, se existe alguém com perfil para entrar de rompante e mexer com toda esta corrida, essa pessoa só pode ser Ana Gomes (clique para ver artigo).
Ana Gomes é uma personagem dentro do Partido Socialista que consegue ser agradável, em muitos pontos, de uma forma transversal a todas as ideologias políticas. Uma ativista incansável contra a corrupção, dentro e fora do país, enfrentou sem medo inúmeras vezes inimigos difíceis e colocou os pés em “terrenos lamacentos” sem olhar para trás (clique para ver artigo). Ana Gomes simplesmente não sabe brincar, crítica o próprio partido com tanta agressividade como criticaria (e critica) partidos adversários. Se está mal, ela vai falar, é tão certo quanto o nascer do sol! Foi uma das figuras da política nacional que mais atacou Sócrates na Operação Marquês (e uma das primeiras, senão a primeira) por exemplo, mesmo sendo um assunto tabu dentro do PS e mesmo fora do partido (clique para ver artigo). É de facto uma figura incontornável da política nacional, e tem de ter uma palavra a dizer. E a socialista não gostou do que ouviu em Palmela. Considera que o que se passou na Autoeuropa “é tão grave e tem tantas implicações para a democracia, que fica preocupada". Classificou ainda este episódio como "lamentável, deprimente mesmo" (clique para ver artigo). E tem a razão do seu lado.
Uma eventual candidatura de Ana Gomes deixa, certamente, muita gente com receio do que pode estar para vir, dado o seu perfil sem filtros e o seu discurso afiado. Portanto as críticas sobre si não se fizeram demoradas. Uma das vozes mais sonantes foi a de Carlos César, presidente do Partido Socialista. César, que em declarações à TSF (clique para ver artigo) chegou mesmo a adiantar, ainda que sem mencionar o nome da ex-eurodeputada, que não votaria num candidato ou candidata que lhe “pareça distante das pessoas, rude, divisionista ou propenso ou propensa ao radicalismo". Para tornar tudo num caldinho ainda mais saboroso, Carlos César decide adiar o Congresso do Partido Socialista para depois das eleições presidenciais, deixando o debate sobre as mesmas órfão de local. É mais do que claro que Carlos César, com a ajuda de muita gente do PS, mexeu-se bem para que ninguém dentro do próprio partido ganhasse força e coragem para avançar em direção a Belém. César e António Costa tiraram completamente o tapete a Ana Gomes, e às vozes destes juntam-se também as críticas de José Luís Carneiro (clique para ver artigo) e uma manifestação de apoio a Marcelo por parte de Eduardo Ferro Rodrigues (clique para ver artigo).
Mas não existem só vozes contra Ana Gomes dentro do Partido Socialista. Uma das figuras que prontamente se decidiu a apoiar uma eventual candidatura da ex-eurodeputada foi Francisco Assis (clique para ver artigo) que considera Ana Gomes a candidata com o perfil ideal para ser Presidente da República. Quem também não gostou do que ouviu em Palmela foi Manuel Alegre (clique para ver artigo). O histórico socialista não revela quem vai apoiar porque ainda não estão perfilados grande parte dos candidatos, mas deixa implícito que não gostou do que foi feito a Ana Gomes, e fica no ar que Alegre apoia esta eventual candidata.
Uma das também prováveis candidaturas a Belém é a de Miguel Albuquerque (clique para ver artigo), e o líder do PSD Madeira já deixou bem claro que não está contente que um Presidente da República possa servir de “bengala deste governo”. Albuquerque sente que o centro-direita reformista em Portugal, já que António Costa declarou apoio a Marcelo, fica refém de um candidato e sente que pode preencher essa vaga. Neste momento o presidente do governo regional da Madeira é suspeito num processo por corrupção, onde o Ministério Público e a Polícia Judiciária estão a investigar, situação que pode prejudicar bastante a sua eventual candidatura a Belém (clique para ver artigo). Outro nome que se perfila à direita, este agora vindo de uma ala mais liberal, é o de Adolfo Mesquita Nunes (clique para ver artigo). O antigo deputado do CDS aparece como um candidato liberal e conservador, contudo o seu perfil surge em discordância com o caminho escolhido pela atual direção do CDS, pelo que o apoio do seu partido se afigura difícil. Pode Mesquita Nunes, com a sua eventual candidatura, representar toda uma faixa ideológica que ficou sem representação na política nacional dadas as posições tomadas por Francisco Rodrigues dos Santos no novo caminho tomado pelo CDS. À esquerda surge a possível candidatura de Marisa Matias pelo Bloco de Esquerda, que teve um resultado bastante positivo para o partido em 2016, e histórico por ter sido a mulher mais votada numa candidatura presidencial (clique para ver artigo). Também o PCP deve inscrever nas eleições o seu próprio candidato, contudo ainda nenhum nome apareceu anunciado.
Em jeito de conclusão, é essencial que esta caminhada para Belém seja pautada por um debate saudável e que fomente a discussão não só sobre as presidenciais, mas também sobre o futuro de Portugal. Todo o mediatismo dado a Marcelo coloca-o na pole position desta corrida, é certo. Contudo a comunicação social quer fazer passar uma ideia vitória fácil do atual Presidente, uma tendência que vai com certeza trazer desinteresse sobre umas eleições tão importantes quanto estas que se avizinham. Não sei ao certo se esse é o interesse de alguns intervenientes políticos (ou talvez saiba…), contudo é nosso dever discutir o que é importante e não deixar que estas eleições passem ao lado do debate político profundo. Relembro, é o futuro do nosso país que está em jogo. Numa semana onde houve mais uma queda com estrondo na comunicação social portuguesa, falo de Ana Leal (clique para ver artigo), fica no ar a ideia de que necessitamos de olhar para o panorama político atual com um olhar crítico e sério. Queremos mais 5 anos de Marcelo? Precisamos de um Presidente moderado e com uma relação próxima com o primeiro-ministro, ou necessitamos de mudar o perfil de comando e colocar alguém mais acutilante como Ana Gomes, André Ventura ou Marisa Matias? Ou talvez precisemos de um Presidente mais conservador e liberal e, possivelmente, faça sentido um Adolfo Mesquita Mendes ou um Miguel Albuquerque. O que é certo é que precisamos de debate, de trocar ideias, visões, planos e estratégias. E o futuro dever ser feito de trocas de ideias e não de certezas.

Comentários

  1. Ainda faltam muitos,nomeadamente o Tino de Rãs.

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    1. Se ele formalizar a candidatura será novamente de RIR (piada fácil e de mau gosto...)!

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